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O polêmico debate sobre o caráter científico da psicanálise



A psicanalista responde a texto de Caroline Vasconcelos Ribeiro e Claudia Dias Rosa publicado no site da "Ilustríssima" em 3 de junho. Ribeiro e Rosa respondiam Martins Parente, que contestava artigo de Zeljko Loparic .

Nenhum psicanalista está isento de primar pelo rigor no trato dos conceitos, mas a matéria que o alimenta decisivamente não é a coerência interna de uma tese que se pretende defender a qualquer custo. Triste, porém, é notar que psicanalistas possam renunciar à sua forma própria de pensar para reproduzirem essas teses filosóficas. O psicanalista é sempre obrigado a se render às evidências clínicas que contestam seus pressupostos. É constantemente convocado a reconhecer os limites de suas proposições ao ser interrogado pela força dos sintomas psíquicos.


Essa matéria clínica está, sem dúvida, em locais nos quais exerce seu ofício. Lugar fértil para encontrá-la são, também, as artes. Nesse sentido, ir ao cinema e observar as dores de Fania, personagem da mãe de Amos Oz, poderia ser a chance de fazer aquilo que se espera de um psicanalista: escutar o sofrimento e rever a partir dele alguns argumentos, mesmo que estejam bem concatenados. Mas as psicanalistas preferiram desqualificar o objeto (conflito psíquico) e insistir na articulação impecável das ideias do filósofo que defendem.

Quando jovem, Freud sonhou ser filósofo. Com o tempo, tornou-se crítico de pretensas visões de mundo ("Weltanschauung") e contentou-se com suas investigações clínicas, que o conduziram a territórios verdadeiramente inéditos. De fato, pretendia dar estatuto de ciência da natureza à sua criação, mas levava constantes rasteiras da matéria a que se dedicava. Embora tenha se empenhado na caracterização da psicanálise como ciência natural, cedo foi forçado a reconhecer os limites de sua ambição. Em "Estudos sobre Histeria", Freud (1895) admite certa estranheza ao perceber que os casos clínicos por ele transcritos "pareçam novelas e que, como se poderia dizer, falta-lhes a marca de seriedade da ciência".

Como disse antes, é debate polêmico o caráter científico ou não da psicanálise. Diversos autores aproximam seu método das artes, outros a consideram ciência. Outros, ainda, dão a ela o lugar de uma ética –a do desejo. Nesse sentido, a introdução de Thomas Kuhn para defender a suposta revolução feita por Winnicott está realmente longe de ser consensual. Se nem na psicologia, consensualmente uma ciência, as ideias de Kuhn podem ser aplicadas com facilidade, quem dirá na psicanálise, cujo estatuto de cientificidade nem chegou a ser unânime. A insistência na tecla científica parece derivar do desejo de credibilidade, ansiada por Freud quando a psicanálise emergia. Hoje, realmente não saberia dizer a que serve tal empenho. Teria a ciência maior valor do que as artes ou a ética do desejo?

Mas, se toda a suposta revolução winnicottiana se apoia em Kuhn, vamos a ele. Segundo o autor, uma ciência imatura ou em crise implica embates entre seus praticantes, que disputariam a hegemonia do paradigma adotado nas práticas e elaborações teóricas. Na verdade, os conceitos dos diferentes paradigmas concernentes à ciência iluminam fenômenos díspares. Seguindo essa lógica, é possível reconhecer no interior de uma mesma disciplina, como a psicanálise, línguas distintas. Embora alguns termos sejam aparentemente equivalentes nela, os sentidos dessas palavras são incompatíveis.

Muitos analistas empregaram o termo paradigma em sentido comum, buscando tratar dos modelos teóricos inerentes à psicanálise. Assim aplicado, o vocábulo pode inclusive ajudar a separar e compreender suas múltiplas abordagens. Autores citados por Rosa e Ribeiro, como Greenberg e Mitchell (1983), utilizaram a ideia kuhniana de paradigma num sentido genérico, significando "um arcabouço básico de orientação e crença". McDougall (2001/1995), por sua vez, toma o conceito de Kuhn, mas não avança em suas pesquisas. É de Renato Mezan (1990) o melhor esclarecimento sobre os limites da aplicabilidade de Kuhn na psicanálise. Para ele, talvez convenha ceder "à evidência de que a psicanálise não é uma ciência como as que comportam o uso [...] [da noção kuhniana de paradigma], e procurar discernir do modo mais exato possível como se organiza em psicanálise a dispersão das perspectivas teórico-clínicas". Propõe "elaborar uma epistemologia regional da psicanálise que faça justiça ao tipo de pluralidade que se observa no [...] campo". Em "O Tronco e os Ramos", Mezan (2014) volta ao tema, considerando com ressalvas a ideia de paradigma kuhniana. Seu intuito, com isso, jamais foi eleger um modelo revolucionário. Ao contrário, seu esforço é o de dar conta das ramificações que nascem do tronco psicanalítico.

Vê-se, assim, que não são poucos os problemas no uso de Kuhn para a psicanálise; se a ideia de paradigma até pode servir como uma espécie de deus ex-machina que ajuda a enquadrar especificidades dos diferentes modelos psicanalíticos, a noção de revolução é de fato inaceitável para a psicanálise. Ela é tentativa frágil de legitimar uma única vertente nesse vasto e profícuo terreno; meio impositivo de descartar escolas psicanalíticas incoerentes com aquela a que se atribui o título de revolucionária. Por isso, seria necessário saber com que finalidade se insiste nesse artifício –a meu ver, a estratégia presta-se a fins dogmáticos ao invalidar a diversidade para afirmar a primazia de um pensamento.

Finalmente, tratando daquilo que seria "revolucionário" em Winnicott, as autoras aludem a uma "mudança paradigmática" que se referiria "ao fato de a experiência clínica de Winnicott revelar a ineficácia da psicanálise freudiana no tratamento de uma série de distúrbios psíquicos (dissociações)". Ora, se há algum acordo entre pós-freudianos é o de que o alcance da psicanálise foi ampliado para casos mais graves, daí a abrangência da clínica não ser mérito exclusivo de Winnicott, mas um avanço no campo, feito por vários psicanalistas, cada qual a seu modo.

Mesmo Freud, relido hoje, incorpora tal mudança. Sua teoria do trauma, apresentada no "Projeto" de 1895, mostra que as inscrições psíquicas, feitas durante o recalque primário –sem representações e laços edípicos–, renascem na atualidade por meio de uma sobreposição de tempos e espaços. Logo, a alusão feita à "Nachträglichkeit" não é, como alegam as autoras, desconhecimento da ideia winnicottiana de provisão ambiental que falhou no passado. Trata-se antes de observar limites no que tange à temporalidade e a espacialidade em Winnicott, trabalhadas por Loparic a partir de Heidegger. Nem ontologia heideggeriana, nem ôntica winnicottiana penetram a matéria da psicanálise e suas intricadas teias da memória, incompatíveis com a ideia de um ser íntegro graças aos avanços esperados de um contínuo processo de amadurecimento.

De qualquer modo, para autores afinados com o psicanalista inglês, a pesquisa de Loparic é preciosa. É pena, contudo, que ele siga insistindo na chancela da revolução kuhniana que enfraquece seu pensamento ao torná-lo dogmático.

MULHERES E PSICANÁLISE

De minha parte, sinto pouca afinidade com a psicanálise winnicottiana por ela enfatizar a obsoleta ideia de mãe suficientemente boa. Sobre esse tópico, Rosa e Ribeiro argumentam em defesa de Winnicott que meu artigo suprime o fato de que, "para Freud, a identidade feminina é [...] constituída pela inveja do pênis". Ora, não tenho nenhum problema em criticar Freud quando ele deve ser criticado. Aliás, existem várias afirmações misóginas feitas pelo psicanalista, como sua conhecida declaração registrada nas Atas da Sociedade Psicanalítica de Viena.

O meu artigo não é defesa cega de Freud. Disse simplesmente que, embora evidentes, os limites do pai da psicanálise em relação às mulheres contrastavam com seu afinco em compreender a natureza dos desejos delas. Winnicott, por outro lado, obnubilado pelas funções da mãe, esqueceu-se de perguntar quem era o ser que cumpria função tão relevante. É o que provam Ribeiro e Rosa em suas afirmações: "Winnicott [...] valorizou a maternidade, só que seu tema central não era a mulher, mas a natureza humana, as condições para a realização da tendência ao amadurecimento [...]. É natural que a mulher enquanto mãe entre nesse processo".

As autoras explicitam justamente o meu ponto. Enquanto Lacan formulou a controversa frase "a mulher não existe", pretendendo, com ela, ressaltar que a mulher jamais teria uma inscrição universal, sendo sempre convocada a inscrever seu traço singular, em Winnicott a mulher de fato inexiste, a não ser que assuma a forma mãe, seja ela bem cumprida ou não.

Mas as psicanalistas alegam ainda que "a mulher é compreendida por Winnicott não como um ser castrado, mas [...] pela identidade de gênero, mediante a identificação com a mãe-materna ou com a mãe-fêmea". Sem explicar muito, vê-se logo que, nesse registro identitário, mulher para Winnicott é igual à mãe. Além de certa misoginia velada em conceitos pastorais, o psicanalista inglês de novo enreda a mulher à figura natural da mãe. As autoras reiteram esse ponto ao dizerem que a "mãe biológica [deve] ser provavelmente a mais indicada para [...] [a] tarefa" de cuidar do bebê.

Torna-se pueril, então, afirmar que "não há nenhum indício de que a mãe winnicottiana deva abandonar os outros setores de sua vida, constrangendo-os sob o funil da maternidade". Se a saúde psíquica do sujeito é garantida pela dedicação quase exclusiva da mãe ao seu bebê nas primeiras etapas, não é possível que se espere uma alteração mágica desse quadro amoroso e de todas as suas consequências. Nesse sentido, é o quadro inicial que deve sofrer alterações. Por isso é retrógrada a licença maternidade, e não um avanço da sociedade civil. Ela reforça a imagem de que os cuidados do bebê, em momento tão decisivo, são quase exclusivamente responsabilidade da mãe, que estaria naturalmente mais preparada para a incumbência.

No dia 24/10/1975 as mulheres da Islândia fizeram uma greve geral e começaram uma revolução contra o que é delas esperado. Pararam seus trabalhos no lar e nas fábricas. Deixaram tudo a cargo dos homens. Com isso, começaram a conquista pela maior igualdade de gênero existente no globo. Creches excelentes e baratas e a licença paternidade equânime à da mãe redimensionaram as tarefas dos pais com seus filhos e com o trabalho, tornando a ambos responsáveis pelas esferas pública e privada da vida. Diante disso, fica fácil constatar os lugares marcados à moda convencional da sociedade burguesa que espera uma "ajuda do pai" na "desadaptação gradativa" do bebê aos cuidados da mãe.

Fanias são ainda casos comuns, mulheres atoladas pela culpa por terem desejos que não apenas o de cuidar dos filhos. Com autores como Winnicott e suas infindáveis tarefas direcionadas à mãe, que deve ser "apenas" suficientemente boa, o fardo da culpa se justifica na fantasia dessas mulheres e cresce ao infinito, tornando-se sintoma. Tal sintoma interfere no próprio cuidado das crianças. Ainda assim, Winnicott, que se demonstrou tão preocupado com "as condições para a realização da tendência ao amadurecimento", optou por não escutar a mulher.

A revolução psicanalítica, que teria sido encabeçada por Donald W. Winnicott e que foi anunciada por Zeljko Loparic na "Ilustríssima" de 8/5, parece mais uma regressão a tempos pré-freudianos do que um inusitado avanço a campos não tocados por Freud.

Sabe-se que Loparic defende há bastante tempo sua tese de paradigmas e revolução científica na psicanálise a partir das ideias cunhadas por Thomas Kuhn. Entretanto, ao insistir em suas proposições e quase eliminar a atualidade e a força dos pensamentos freudianos, Loparic ignora inúmeros estudos (Peterson, 1983 e Carone, 2003 são apenas dois exemplos) que apontam para a não-aplicabilidade das concepções de Kuhn na psicologia e, mais radicalmente, na psicanálise, ao contrário do que ocorre em outros campos científicos.

Embora haja um velho impasse sobre a cientificidade da psicanálise, não é isso que torna os conceitos de Kuhn infrutíferos para este campo. Freud trilhou caminhos inversos aos daqueles seguidos por cientistas naturais. Em psicanálise, a singularidade define e delimita a atenção do analista. Em outros modelos de ciência, as particularidades dos objetos estudados são excluídas de modo a que o interesse esteja voltado para o que é universal ou geral. Ainda que também existam generalizações e até tentativas de atingir aspectos universais que guiem a escuta psicanalítica, é a especificidade da história do paciente que a orienta. Nesse sentido, os paradigmas são elásticos ou simplesmente inexistem nesse terreno, marcado pela inesgotável pluralidade de vozes.

Talvez quem melhor defina o que se passa nesse território chamado psicanálise seja Fabio Herrmann, que em "Sobre a Infância de Adão" diz: "Cada uma das psicanálises clínicas ou teóricas de Freud, como cada uma daquelas que conduzimos nós, seus pósteros e seguidores, cria e descobre inconscientes que não podem ser reduzidos a um só conjunto, sem que se perpetre alguma violência epistemológica. A resistência a aceitar essa elementar verdade por parte de certos analistas refugia-se em sofismas, dos quais o mais encontradiço nas discussões psicanalíticas e acadêmicas não honra o douto título de quem o enuncia, seja professor, seja analista; a saber, que constituindo tal ou qual análise um novo inconsciente, este ultrapassa o acervo freudiano".

Se cada inconsciente coloca toda a psicanálise freudiana em xeque e exige um permanente processo de reescrita da psicanálise, Winnicott não teria sido o nome capaz de revelar a verdade no interior da esfera psicanalítica, mas mais um a fazê-lo, dentre os tantos igualmente relevantes nesse campo.

Um dos tópicos que teriam sido revolucionários, segundo Loparic, é a psicopatologia de Winnicott na qual se encontram "distúrbios [que] não são gerados pela expulsão, para fora da consciência, daquilo que aconteceu, mas não deveria, e sim por aquilo que não aconteceu, embora precisasse acontecer". Ora, esse aspecto não é uma ruptura em relação a Freud. Toda a teoria do trauma e da "Nachträglichkeit" falam de um outro modo de recalque que se dá em razão daquilo que ainda não ganhou a possibilidade de representação, repetindo-se compulsivamente. Um dos mais belos textos sobre o assunto é "O Acontecimento e a Temporalidade: o Après-coup no Tratamento", de Jacques André, no qual Winnicott é justamente mais um nome a tratar questões concernentes a casos desse tipo.

Mas essa antiga tese de Zeljko Loparic com seus paradigmas e revoluções em psicanálise não mereceria essa resposta se sua versão de Winnicott e alguns postulados do próprio psicanalista inglês não trouxessem questões mais sérias para a área. Ocasião importante para resgatar as primeiras investigações de Freud com as histéricas e confrontá-las com aquelas empreendidas por Winnicott.

HISTERIA

No século 19, as mulheres burguesas estavam destinadas ao casamento e ao cuidado dos filhos, quase sem saída. Outras, com menos "sorte", eram operárias ou prostitutas. Aquelas poucas que saíram desse script tiveram que pagar o preço psíquico-social de uma luta que segue em curso.

Ao escutar essas mulheres, Freud concedeu voz a aspectos insubordinados do feminino: sexualidade e agressividade, que apareciam convertidas em sintomas do corpo. Quando os sintomas começaram a ganhar certa articulação pela palavra, Freud ouviu também os limites do patriarcado e da civilização ocidental. Ainda que levasse uma vida privada convencional, o compromisso de Freud com a verdade dos sintomas das mulheres o conduziu para territórios que questionavam a tradição do casamento, da maternidade, do pai como aquele que apenas apoia os cuidados da esposa com os filhos e se encarrega de interditar simbolicamente o incesto, dando o contorno da Lei. Em suma, Freud foi longe com as mulheres. Entretanto, após anos de experiência, ainda se perguntava: "afinal, o que quer uma mulher?". Indagação que denota profundo interesse e, ao mesmo tempo, reconhecimento de seus limites diante da questão do feminino. Daí ser importante retomar aqui certas passagens da história.

Sabe-se que, na Idade Média, o feminino assume formas demoníacas, extrapolando as fronteiras do bem e da ordem cristã. Sempre atrelada aos pecados da carne, a mulher era portadora de uma sexualidade desmedida e ameaçadora. O valor da maternidade inexiste até o século 17; a mulher não era a maior responsável pela saúde e pela educação das crianças. Foi somente nos séculos 18 e 19 que nasceu um discurso médico sobre o feminino coincidente com a constituição da ordem familiar burguesa.

Valores burgueses e a ideia de que filhos eram herdeiros de propriedades e negócios da família trouxeram para a esposa o papel de tutora da prole. A linguagem médica atentava para a sobrevivência e o aperfeiçoamento das crianças e a mãe era figura a cumprir a tarefa de zelar por esses pontos. Firmaram-se então pressupostos biológicos que ligavam de forma inextricável a mulher ao lugar de mãe. Com isso, a lógica científica naturalizou a dominação sofrida pela mulher e orientou um programa político que bloqueava outras maneiras de inscrição social do feminino.

Contudo, o próprio liberalismo e sua ideia de igualdade colocava questões para essa versão médica da história. Uma delas era a educação das mulheres para assumirem empreendimento tão fundamental. Esculpindo um perfil mais dócil e sensato para elas, a sociedade patriarcal conseguiu domesticar suas ambições e desejos, educando-as para bem cumprir os encargos do lar. Outro ponto importante era a dedicação exclusiva à função doméstica, que impedia a circulação pelo espaço público na condição de cidadã. A ideia iluminista de direitos universais e igualdade não condizia com a restrição da vida política das mulheres e com as diferenças sociais entre os gêneros. O discurso médico naturalizante foi o único capaz de promover o entrelaçamento inarredável entre sexo feminino e maternidade até feministas começarem a desatar este forte nó.

Agora, com o Winnicott de Loparic, voltamos ao estágio em que "a ordem social, em particular a família, emerge em larga medida das tendências rumo à organização em uma personalidade individual. O pai, protegendo a mãe nos estágios iniciais do amadurecimento da criança, possibilita a esta suportar a culpa de seu uso excitado da mãe e, assim, ficar livre para amá-la instintivamente –sendo que os instintos, no início, não são genitais, mas relacionados à digestão".

Retiramos de cena o erotismo inerente ao início da vida, restituímos à mãe o lugar de cuidado quase integral da criança e ao pai devolvemos, finalmente, o lugar de retaguarda para os impasses da maternidade. Décadas de luta feminista lançadas ao lixo por uma teoria "revolucionária" que devolve à mãe o seu "devido lugar". Nessa vertente, naturaliza-se a família, a mãe, o pai e a criança. Nada parece ser parte da história e das distorções em relação a esses lugares "naturais".

No entanto, a escolha pela maternidade não significa ser simplesmente "suficientemente boa", como queria Winnicott. Ser mãe, nos dias atuais, ainda significa lutar pela divisão mais justa do trabalho na criação dos filhos, seja a batalha empreendida com a figura paterna –ocupada por seja lá quem for, já que a fantasia erótica vai longe–, seja ela em espaços sociais que deem à mulher condições de sustentar também seus outros desejos.

Com a versão da "mãe suficientemente boa" do psicanalista inglês, acentuada na pena revolucionária de Loparic, voltamos à naturalização dos lugares subjetivos da maternidade, e o amadurecimento do bebê aparece de forma absolutamente dependente das tarefas empreendidas pela mãe –mesmo quando as fases são de independência relativa, torna-se tarefa da mãe não se mostrar disponível. Outro ponto regressivo nesse viés psicanalítico é a tendência ao amadurecimento como possibilidade de integração do sujeito –grande parte disso, vale lembrar, mais uma vez nas costas da "mãe suficientemente boa".

Em Freud tínhamos um sujeito dividido por seu desejo, sem qualquer promessa de integralidade. Desejo recalcado no mesmo passo em que se dá a entrada na cultura. O processo civilizatório exige de cada um de nós renúncias de prazer e agressividade insubornáveis. Desejo, nesse sentido, é resistência face a opressão civilizatória, que coloca a falta numa dada configuração formal. Nas tintas de Loparic, porém, o desejo da mãe desaparece e o da criança se torna mera necessidade. Única existência da mãe é a de cuidar de um ser natural –o animal humano, que é a criança– de forma a permitir a integralidade desse indivíduo.

Contra tal "revolução", porém, sugiro apenas uma ida ao cinema. O filme "De Amor e Trevas", agora em cartaz, foi baseado no romance de Amos Oz e dirigido por Natalie Portman. Trata-se de mais um delicado exemplo do que ocorre com "mães suficientemente boas" –ou a mãe de um dos maiores escritores contemporâneos não teria cumprido bem sua função? Ao final do filme, percebemos como o autor israelense foi capaz de compreender profundamente os dramas vividos por sua mãe. Mas Winnicott e autores revolucionários parecem insistir na cegueira acerca do feminino e esquecer a atualidade da velha pergunta formulada por Freud: "Afinal, o que quer uma mulher?".


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